terça-feira, 27 de outubro de 2009

Aprecie com moderação.


Cheguei na Bienal e era segunda-feira. Os visitantes foram substituídos por trabalhadores, é dia de manutenção.
Mulheres limpam tudo, homens preparam novas obras, a multidão de belos carros continua enfileirada e esperando os que estão ali sem massa nas mãos. Uns trabalham, outros ordenam. O mundo não muda muito dentro dos museus e dos pavilhões que abrigam a arte contemporânea que contesta a realidade.

A visita vai ter que esperar. A percepção da realidade fica pra amanhã. Ou talvez eu não apareça mais por lá... O tempo é curto, preciso pensar no meu trabalho, nas minhas aulas, nas minhas horas de lazer de vazio intelectual.

Mas milhões de reais investidos devem me proporcionar pelo menos uma rachadura na cabeça por onde possam entrar alguns resquícios de conhecimento de tudo o que se passa no mundo. No mundo real. No mundo em que os moradores de rua dormem no chão e passam fome em frente aos mega eventos que visam a classe média/alta intelectualizada.

O artista pinta, esculpe, desenha, pensa, compõe. O jornalista denuncia, reclama, finge que se vê indignado. O morador de rua tenta continuar sua vida.

E os intelectuais pensam e apreciam.

quarta-feira, 21 de outubro de 2009

11:20 pm.


O último trem da noite se preparava para sair enquanto eu trocava um vale-transporte por 3 pacotes de balas de goma e um torrone com um companheiro de viagem. Seu José, Manuel, Ricardo, Aroldo me passava os doces e contava sua rotina. Tinha trabalhado o dia todo e enfrentado suas horas cansativas e perigosas na rua. Mas não há nada a fazer, ser ambulante é o que lhe sobrou. A convivência com a rua é a única forma de não viver nela integralmente.

Uma conversa sobre o mundo real, um papo que me agredia o estômago a cada plano contado com profundidade de campo infinita, onde cabiam milhares de vendedores como aquele, me fazia ter nojo do meu cérebro preguiçoso e cheio de vácuo intelectual referente ao que pode ser feito para que se mude a merda toda em que se vive. A cada frase eu me sentia mais alienado, mais ignorante ao que acontece no trem das 11 e 20 da vida.

O trem para e arranca. Acordo do devaneio com um adolescente comprando torrones para ele e suas amigas. Depois de três perguntas, consigo saber o porquê de sermos companheiros de viagem: são os mais novos contratados de um Mc Donalds de Canoas e se dirigem às suas casas. Felicidade e raiva tomaram o meu pensamento. Reféns do capitalismo ou sobreviventes com um emprego? Difícil escolher... Mas a sua essência ainda estava lá: fiz parte da partilha dos torrones, eu poderia comer junto com todos, sem nem mesmo ter falado meu nome.

Se foi a juventude. Ficou a experiência. O vendedor ambulante precisava vigiar o acerto do anúncio de qual estação estávamos. Erros aconteciam. Afinal, já descera muitas vezes na estação errada, o condutor errava algumas vezes. Mas e aí, como ele fazia para chegar no destino certo? As pernas pagavam pelo erro da grande organização.

E os carros continuam cheios de pessoas sozinhas nos bancos.

terça-feira, 13 de outubro de 2009


Cardápio (RU)

Chicória
Massa com molho
Bife
Arroz
Feijão
Laranja

Espetacular. Massa.

Entrei com a Coca na mão. De alguma maneira a propaganda ainda existe dentro de mim. De mim e do José, Josué, Josef. Belo dia. Dia de massa. Dia massa.

Fila grande, calor, risada. O pagamento e a servida se aproximam. O simbólico passa de mão em mão. Álcool gel em tempos de suínos ameaçados pela ignorância. Bandeja na mão e idéia na cabeça (assim é o povo, nada de câmera).

Chicória, arroz feijão, arroz feijão, mas... Acabou a massa.

(...)

Eu vou ficar aqui até a porra da massa chegar.

(...)


É assim. O ser humano só entra em crise e se mobiliza quando as suas necessidades básicas são atingidas.

Cuidado com a massa(,) classe média.